Entre monstros imaginários e segredos de família, o autor italiano entrega uma graphic novel tocante sobre a dor do luto e a busca por identidade.
Se você maratonou Entrelinhas Pontilhadas ou Este Mundo Não Vai me Derrubar na Netflix, já conhece a mente frenética de Michele Rech, mundialmente famoso como Zerocalcare. Mas é nas páginas dos quadrinhos que o autor italiano destila sua essência mais pura. Com o lançamento de “Esqueça o Meu Nome” (Dimentica il mio nome) no Brasil, trazido pelo selo Poseidon da Faro Editorial, temos em mãos aquela que é considerada uma das obras fundamentais de sua bibliografia. Finalista do prestigiado prêmio Strega e vencedora do Livro do Ano pelo programa Fahrenheit, esta HQ não é apenas mais uma aventura neurótica; é um mergulho visceral nas raízes de quem somos.
A trama parte de um evento universal e doloroso: a morte da avó materna do protagonista. Quando o último pilar de sua infância desmorona, Zerocalcare se vê obrigado a lidar com a burocracia do luto e, inadvertidamente, tropeça em mistérios familiares que jamais imaginou existirem. Dividido entre a segurança da inocência juvenil e as pressões sufocantes da vida adulta, ele precisa desvendar de onde veio para entender para onde está indo.

Zerocalcare domina a arte de transformar o cotidiano banal em épicos emocionais. Em “Esqueça o Meu Nome”, ele refina a fórmula vista em A Profecia do Tatu. O roteiro intercala conversas triviais e reflexões ansiosas com uma investigação genealógica quase policial. A grande sacada do autor é usar a fantasia não como escapismo, mas como uma lente de aumento para a realidade. Ele mescla fatos reais com ficção de forma tão fluida que o leitor para de questionar o que é verdade e aceita a verdade emocional da cena.
O traço de Zerocalcare mantém sua estética underground oriunda dos fanzines e cartazes de shows que ele produzia nos centros sociais de Roma. A arte é expressiva, por vezes suja, mas incrivelmente dinâmica. A ambientação transita entre o concreto da periferia romana e o surrealismo de sua mente, onde criaturas fantásticas e metáforas visuais ganham vida para representar medos e angústias. É um estilo que grita urgência.

Embora o protagonista seja a estrela, a força motriz aqui é a memória da família. A construção da avó e a descoberta de suas facetas ocultas dão o tom da obra. Os temas centrais — o medo de crescer, a desconexão geracional e o peso da herança familiar — são tratados com uma honestidade brutal. O autor expõe sua vulnerabilidade ao mostrar-se “preso às pressões da sociedade”, criando uma identificação imediata com qualquer jovem adulto contemporâneo.

É impossível ignorar o fenômeno que Zerocalcare se tornou. Com milhões de cópias vendidas na Itália, ele é a voz de uma geração desiludida. Esta obra, especificamente, marca um ponto de virada onde o humor cínico dá espaço para uma melancolia madura.
Comparado a seus outros trabalhos lançados no Brasil, como o jornalístico Kobane Calling (Nemo) e o introdutório A Profecia do Tatu (Poseidon), “Esqueça o Meu Nome” surge como o elo emocional mais forte. Enquanto Kobane olha para fora (o mundo), este olha para dentro (o indivíduo).
Pontos Fortes:
• Roteiro que equilibra humor ácido e drama genuíno com maestria.
• Arte cheia de personalidade que dita um ritmo de leitura viciante.
• Edição caprichada da Faro Editorial em capa dura, valorizando a coleção.
Pontos Fracos:
• O ritmo frenético e as referências culturais específicas podem exigir um pouco mais de atenção de novos leitores não habituados ao estilo do autor.
Conclusão
“Esqueça o Meu Nome” prova que é possível rir enquanto o coração se parte, entregando uma história que, embora focada em sua própria família, fala sobre todas as famílias.




