Belém sediou debate inédito sábado (21/02) sobre quadrinhos amazônicos em tempos de emergência ambiental
Em Belém (PA), a capital que vai sediar a COP30 em 2025, a discussão sobre soluções para a crise climática extrapolou a esfera política e econômica – e foi parar nas páginas dos quadrinhos. No último sábado, 21 de junho, o Núcleo de Conexões Ná Figueredo abriu espaço para um debate inédito: “Quadrinhos e Ilustração Amazônicas em Tempos de Emergência Climática”. O evento, gratuito, reuniu nomes da cena local como Emmanuel Thomaz, Isabele Cristina e Leonardo Dressant, do coletivo Mapuá Estúdio. A mediação foi do editor do portal HQPOP, Emerson Coe.


Na pauta, o que há de mais urgente: como a nona arte pode refletir, denunciar e ajudar a combater as ameaças socioambientais que pairam sobre a Amazônia? E como fazer com que essas narrativas ganhem visibilidade no mercado nacional?
Mais do que falar sobre clima, o encontro foi também um manifesto pelo fortalecimento da identidade cultural amazônica. O próprio Mapuá Estúdio é um exemplo disso: o mesmo tem ganhado notoriedade por criar HQs “enraizadas na realidade amazônica”, misturando estética pop com os dilemas e o cotidiano da região. Folclore, cenários urbanos, fauna e problemas sociais aparecem como personagens centrais.

Leonardo Dressant, natural de Marajó, contou que a inspiração para seus personagens surgiu de uma cena corriqueira nas ruas de Belém: “Ao atravessar a ponte do Tucunduba, vi uma garça brigando com um urubu por restos de comida”. Dessa disputa nasceu a dupla Pitiú e Xibé, dois pássaros falantes que tratam de temas como meio ambiente, saúde e educação. “Nada mais paraense do que urubus pra falar de lixo”, brinca o autor.
O resultado são histórias que, além de entreter, cumprem papel de educação ambiental. E isso vai além dos independentes: o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), por exemplo, tem produzido cartilhas em formato de HQ para trabalhar ciência e meio ambiente com jovens das escolas públicas. Uma dessas HQs, sobre o elemento Ar, explica o papel da Amazônia no sequestro de carbono e nas mudanças climáticas globais.
A floresta como personagem
A mobilização não é exclusiva de Belém. Em Manaus, o projeto “Norte em Quadrinhos” reuniu artistas da Região Norte para denunciar a devastação provocada pelas queimadas. As ilustrações, compartilhadas nas redes sociais, mostraram o homem branco sufocando a cidade com fumaça e os impactos desse crime ambiental na saúde de comunidades indígenas e ribeirinhas.

Ficou claro durante o debate que os quadrinhos amazônicos vão além da denúncia: são um meio de ativismo cultural e preservação de memória. O quadrinista Emmanuel Thomaz levou esse conceito ao pé da letra ao adaptar, num de seus zines, um encontro improvável: Nossa Senhora de Nazaré e a lenda amazônica Matinta Perera. “A Matinta tem respeito pela Nossa Senhora e admiração por ela”, conta Thomaz. A cena, ao mesmo tempo inusitada e manifesta reverência, mostra o quanto folclore e religiosidade podem dialogar com questões atuais.
A pergunta que ficou no ar: o que faz um quadrinho ser "amazônico"?
A discussão esbarrou numa velha polêmica: o que define uma HQ como “amazônica”? É o tema? A estética? O local de produção? A resposta consensual foi que não existe uma fórmula única, mas o compromisso com a vivência local é inegociável.
Autores de fora podem criar sobre a Amazônia? Podem, desde que haja pesquisa séria, escuta e respeito ao protagonismo dos artistas locais. A apropriação sem compromisso foi criticada por todos.
A diferença, segundo os participantes, é que quem vive a Amazônia carrega nos traços, nas palavras e nos silêncios uma verdade que quem está de fora dificilmente alcança. A Amazônia não é só cenário: é personagem.
Vozes da floresta
Isabele Cristina, quadrinista e moradora de uma comunidade ribeirinha em Bujaru, deixou claro o tom do encontro:

Ao final, a sensação era de que o evento foi mais do que uma conversa sobre HQs: foi uma espécie de laboratório de futuros possíveis, onde arte, ativismo e ciência se encontram.

Em tempos de emergência climática, a produção cultural da Amazônia prova que quadrinhos podem – e devem – ser uma ferramenta de transformação social.