novembro 26, 2025
Entrevistas

Romahs Mascarenhas de Parintins aos Estúdios Maurício de Souza

Romahs Mascarenhas, cartunista e roteirista parintinense, superou o isolamento geográfico do Norte e se tornou peça-chave nos Estúdios Maurício de Souza, sendo indicado aos prêmios HQ Mix e Jabuti. Imagem/Reprodução

O artista do amazônida que superou complexos para concorrer ao HQMix e Jabuti. Descubra sua trajetória e como ele levou Sansão, o coelho da Mônica, aos Estúdios Maurício de Souza.

Romahs Mascarenhas na capital paraense: roteirista da Turma da Mônica e autor premiado viaja do Amazonas para projetar a arte da região no palco global da COP30.

Romahs Mascarenhas. Foto/Acervo pessoal

HQPOP: Em outras entrevistas tu mencionastes que, como todo artista, foi primeiramente um consumidor da arte que pratica, sendo fã inveterado de diversos tipos de produção cultural, incluindo quadrinhos, cinema, séries, desenhos animados e videogames. Qual foi o ponto de virada que transformou o seu consumo apaixonado de cultura pop na decisão de se tornar cartunista, quadrinista e roteirista?

Romahs Mascarenhas: Eu acredito que cresci misturando as coisas na minha cabeça, eu simplesmente criava e desenhava meus personagens de quadrinhos e acreditava que iam aparecer na TV e nas bancas de revistinhas um dia, parecia pra mim um processo super espontâneo. Então cresci e vi que o buraco era mais embaixo. Mas, eu nunca tive plano B, desde adolescente que eu não me via vivendo de outra coisa que não fosse minha arte, quadrinhos em especial. Foi aí que passei a encaram meus quadrinhos como um projeto de vida mais sério, que precisaria de mais empenho e estratégia, paralelamente eu ia usando meu talento como desenhista pra me manter financeiramente, trabalhando como ilustrador e chargista em jornais, por exemplo. Mas, foi mesmo quando passei no teste pra roteirista dos Estúdios Maurício de Sousa que pude pensar: Enfim, eu vivo de quadrinhos.

Romahs Mascarenhas e Maurício de Sousa. Foto/Acervo pessoal

HQPOP: A tua entrada no MSP Estúdios como roteirista aconteceu de forma icônica, após a publicação de graphic novels de um “Clube dos quadrinheiros de Manaus” chamar a atenção de Sidney Gusman, o ‘Sidão’. Como foi receber o convite para a antologia MSP 50, e qual a sensação de ter seu primeiro projeto focado em explicar como a Mônica adquiriu seu fiel companheiro, o Sansão?

Romahs Mascarenhas: A publicação do Clube dos Quadrinheiros de Manaus é de 2005, foi o ano em que enviei um exemplar pro Sidney Gusman, aí em 2010 a Panini lançou o MSP+50, uma continuação do livro MSP 50, que foi criado em homenagem aos 50 anos de carreira de Mauricio de Sousa. Assim como o primeiro volume, ele apresentava histórias de artistas brasileiros que reinterpretaram os personagens clássicos da Turma da Mônica, mas agora com a adição de novos talentos, representando os estados brasileiros que não estavam na primeira publicação. Foi aí que eu entrei. E o Sidão me achou e me escolheu lá na publicação do Clube dos Quadrinheiros. Ele mesmo me ligou, pra redação do jornal onde eu trabalhava na época. E eu achei que era trote. Tratei ele com indiferença e tudo. Imagina o susto em descobrir logo em seguida que era tudo verdade. Aí na hora de bolar uma história bateu essa ousadia: criar uma versão de como a Mônica ganhou o Sansão. O Maurício gostou tanto que escolheu a minha história pra fechar essa edição. Eu soube que ele só escolheu a que abriu e a que fechou a coletânea. As outras ficaram a cargo do Sidão. Aí no lançamento na Bienal de São Paulo, o repórter me perguntando: Qual a sensação de fechar essa edição, sendo que o Vítor Cafaggi fechou a anterior? E eu pesquisando discretamente na internet quem era o Cafaggi. Não conhecia o Cafaggi, mas entendi que aquilo era uma puta responsabilidade.

HQPOP: Suas inspirações abrangem um leque vasto, incluindo Maurício de Souza, quadrinhos Disney, Hanna Barbera, quadrinhos de super-herói (com destaque para o arte-finalista Alfredo Alcala em Conan) e artistas como Urdezo e Goscinny (Asterix) e a brasileira Laerte. De que maneira todas essas referências, que vão do cartoon ao super-herói, influenciam o teu estilo?

Romahs Mascarenhas: Eu costumo dizer que tenho meus autores, meus quadrinhistas favoritos, mas não quer dizer que essa relação fica clara no meu traço ou no meu jeito de escrever, mas eles estão lá. Então é assim, tem tudo isso aí no meu trabalho, só que nem tudo está muito explícito. Tem coisa mais recente que interfere no meu jeito de desenhar, mas é maior, mais evidente as influências mais antigas, que me moldaram quando eu estava começando, os mestres antigos como o Will Eisner, o Alex Toth, o Uderzo e o Moebius.

Capa de A Última Flecha. Imagem/Reprodução.


HQPOP: A obra ‘A última flecha’, produzida em parceria com Emerson Medina, foi um marco por ser a primeira obra do Amazonas a ser indicada à premiação dos quadrinhos brasileiros, o prêmio HQMIX. Poderia descrever o processo criativo dessa graphic novel e como o reconhecimento nacional dessa história te ajudou a “furar esta bolha” de isolamento geográfico que, por muito tempo, dificultou a projeção de artistas do Norte?

Romahs Mascarenhas: Eu falo por Medina que A Última Flecha tem vida própria, que é a nossa Satisfacion dos Rolling Stones, A Banda do Chico Buarque, aquela coisa do início de suas carreiras das quais eles não conseguem se desconectar, porque os anos passaram, a gente seguiu, focou em outras coisas, lançou coisas novas, mas, ao mesmo tempo, vem editora nos EUA querendo republicar a Última Flecha em inglês, em espanhol, o pessoal da Bienal de Curitiba selecionando em catálogo das melhores da década, a Devir relançando em versão digital e o Sidney Gusman elegendo como um dos dois melhores quadrinho do Norte que ele já leu. Esse quadrinho tem brilho, é como Belém Imaginária, até quem não leu, conhece. Inclusive Belém Imaginária é a outra HQ que o Sidão escolheu como destaque da nossa região. Mas, assim, eu e o medina temos muito orgulho dela. Não sei o que ele acha hoje do roteiro, mas, eu acho que meu traço evoluiu muito desde 2018, quando eu desenhei essa HQ. E ela furou a bolha mesmo, esse foi o papel dela, hoje temos uma HQ nossa que ganhou o MQ Mix, o Onde Habita o Medo. Fiquei bem empolgado, tínhamos que enfim dar esse outro passo. Isso é histórico.

HQPOP: Tu tens te dedicado a projetos recentes como escritor, concorrendo ao Prêmio Jabuti com ‘Todos os meus gatos de volta’. Qual a principal diferença criativa e técnica entre o processo de escrita de um livro como este e o de roteirizar uma história em quadrinhos (como as que faz para os MSP Estúdios), onde a imagem tem um papel central?

Romahs Mascarenhas: Ah, eu sou muito inseguro como escritor. Eu sei que sou um bom quadrinista, sei que sou um bom roteirista de quadrinhos. Mas escrever esses livros, são dois até esse momento, foi bem ousado. E eu não tinha feedback de nada, tinha pessoas bem criticas que leram antes, mas são bem apaixonadas por mim, poderiam estar com a percepção atrapalhada por esse sentimento. Aí dei o prefácio do segundo livro pro Gian Danton, de quem sou fã como quadrinhista e como escritor e no texto elogiador dele, ele me deu a benção que eu precisava pra pensar: eu não sou um desastre, gente. Dou pro gasto. Mas, tem isso, o desenho da HQ é meio que uma muleta, um apoio narrativo que o livro não tem. Escrever um livro me parece mais difícil.

E aconteceu uma coisa chata quanto ao Prêmio jabuti, eu passei na pré seleção, eram mais de mil livros inscritos e eu fiquei entre os 100 ou 200 que passaram, aí a editora me convenceu a usar isso como marketing. Eu não entendia muito bem a coisa, foi como o Legião Urbana servindo de boi de piranha, usando só pandeiro, atabaque e violão pra gravar o Acústico MTV e depois vir o pessoal usando 20 violinos, arranjo de flautas, coral. Eu achei que ficar entre esses 100 era muita coisa e ainda acho. Mas, depois veio gente me falar: ah, ser finalista é ficar entre os 10, os 5. Eu fiquei bem chateado, pareceu que eu estava usando uma farsa pra me promover e eu não preciso disso. Mas os veículos de comunicação do Amazonas divulgaram muito que eu estava concorrendo ao Jabuti e parece que isso incomodou muita gente. Mas, já superei isso.

HQPOP: Você destacou em outras entrevistas que, com o advento da internet e da globalização, “as distâncias se encurtaram” e “as oportunidades são para todos”. Para essa nova geração de quadrinistas do Amazonas que ainda enfrenta o desafio de ter a arte vista como “regional”, que conselho, além de “se aprimore, não seja preguiçoso”, o que falta para que eles utilizem as ferramentas tecnológicas atuais para maximizar a projeção de seus trabalhos no cenário nacional e internacional?

Romahs Mascarenhas: Acredito que hoje não falta mais nada, essa nova geração não tem complexo de vira-lata e isso é ótimo, são unidos, essa situação de serem todos nortistas, apartados de certa forma do centrão, onde habita o dito quadrinho brasileiro, de serem tachados de quadrinho regional, lhes deu força pra serem abusados. Hoje estão chutando a porta e eu fico bem orgulhoso. E estão conseguindo isso abraçando a nossa cultura amazônica, nortista, fazendo quadrinhos com a nossa cara. E a maioria usa as ferramentas digitais e as redes sociais com muita maestria e com muita personalidade, eu me defino old school, sigo atrás dos mesmos sonhos, só que me permito não largar minha mesa de desenho, papel e nanquim.

Imagem/Reprodução.


HQPOP: Teus novos projetos indicam um grande foco no mercado internacional: um projeto Sci-fi (Ficção Científica) como co-roteirista com sua filha Beatriz Mascarenhas para uma editora francesa, e outro projeto com Emerson Medina para uma editora estadunidense que será lançado na L.A Comic Con. Poderia nos dar um spoiler sobre o gênero ou tema desses projetos e como é trabalhar com sua filha, Beatriz, que segue seu legado nos MSP Estúdios?

Romahs Mascarenhas: Trabalhar com a Beatriz é algo que me deixa muito empolgado, um dia desses ela era uma menina lendo meu material, super fã do que eu fazia e agora é uma escritora de mão cheia, ela domina a escrita muito melhor que eu, ela não ama quadrinho tanto quanto eu, ela ama escrever, ama mais o cinema, o teatro e a literatura, isso deu uma outra casca pra ela. E ela morou na França, não tem medo de querer começar já publicando por uma grande editora francesa. Eu, por mim, queria que cada nova HQ minha fosse de um filão diferente, terror, depois sci-fi, depois cartum engraçado como do Maurício, acho que eu tenho o que comunicar em todos esses estilos. Tenho interesse em transitar por todos. O Medina escreve sempre se posicionando bem claramente sociopoliticamente, vai na escrita dele, mesmo que ele não o faça abertamente e conscientemente. Esse quadrinho Virustopia é uma fábula dessas, é sobre o que nos acomete nesses tempos difíceis. A beatriz é mais militante de minorias, ela tem a obra dela bem firmada nisso, como denúncia dos preconceitos, feminicídios, homofobia e tudo flui com muita sensibilidade e sem lugar-comum, muito criativo, assim é a HQ Isabel que ela escreveu e eu estou ilustrando.

HQPOP: Sendo um artista multifacetado, cartunista, escritor, quadrinista e roteirista, tu tens planos de continuar explorando todas essas vertentes ou há um foco principal em voltar à produção de quadrinhos? Existe algum gênero que tu ainda não tenhas explorado, mas que a sua paixão pela cultura pop (literatura, séries, videogames) o motiva a abordar futuramente?

Romahs Mascarenhas: Eu queria escrever pra teatro, escrever pra animação. Livros mais adultos. Não tenho mais coragem de escrever poesias, quando a Beatriz me mostrou uma poesia dela, ela tinha 13 anos, era uma poesia incrível e as que ela escreve hoje são bem melhores ainda. Na hora eu pensei: Como minhas poesias são ruins. Nunca mais escrevi poesias. Deixei pra ela. Quero pensar exposições conceituais, pintar quadros, escrever letras de músicas, não sei se vou fazer tudo isso, fazer quadrinho é muito dificil e é o que eu mais gosto de fazer e eu tenho uma pilha de quadrinhos na fila pra produzir e sou apaixonado pro todos eles. Acredito que sou meio que prisioneiro disso, dos quadrinhos que ainda não publiquei.

HQPOP: Tu que és de Parintins e trabalhou extensivamente em Manaus, sempre enfrentou o desafio do “isolamento geográfico” e do “complexo de ilha” que dificultavam a penetração da arte do Amazonas no cenário nacional. Qual é a importância simbólica e prática, para os artistas do Norte, de ter a COP30 sediada em Belém e de participar de um evento global, como o Banzeiro da Esperança, para “furar esta bolha” e projetar a cultura da Amazônia em escala internacional?

Romahs Mascarenhas: Eu não estava nesse universo da COP30, sabia? Onde os artistas estavam se conectando com o resto do Brasil e exterior. Eu viajei pra Belém num barco vendo rio, floresta, ribeirinhos, nossa fauna, nossa flora, no barco tinha lideranças quilombolas, indígenas, ribeirinhas e eu me reconectei com isso, nem percebia o quanto esse olhar pra dentro me fazia falta, eu escrevo sobre eles, desenho eles, mas não tinha percebido que me faltava estar mais lá, pisando no mesmo chão e vendo de pertinho o que nos chega nas notícias dos portais, nos documentários. Acabei focando nisso, sendo engolido por isso, entrei mais no norte em vez de sair. Mas, fico esperançoso que tanta gente vindo em Belém e ver a nossa cultura tão rica e bonita saia daqui levando um pouco dela como pólen em suas roupas e bagagens.

HQPOP: Com a experiência em cartoon, graphic novel (como ‘A última flecha’) e roteiros do gênero Sci-fi em seus novos projetos. Diante dos debates e das denúncias de “ecocídio” que ocorreram no contexto da COP30 em Belém, tu sentes que este ambiente de urgência ambiental global motiva o desenvolvimento de novas histórias em quadrinhos ou literárias que utilizem a ficção científica para alertar ou imaginar futuros para a Amazônia, como uma forma de protesto ou de sensibilização que vai além do jornalismo e da política?

Romahs Mascarenhas: Sim, a Amazônia é um ser vivo, gigante, a gente tá nela, faz parte dela, como artistas estamos ligados de uma forma indissociável, então flui na gente, na nossa obra, não só decantar sua beleza, mas denunciar suas mazelas, seu sofrimento, que, por causa dessa simbiose, também é nosso.

Posso escrever sobre o que eu quiser, Todos Os Meus Gatos de Volta se passa num lugar fictício, sem conexão aparente com a nossa cultura amazônica, mas não dá pra escrever sempre assim, não uso a minha obra pra denunciar, criticar, porque me sinto na obrigação, na verdade estou denunciando coisas que estão acontecendo comigo, com meus filhos, com meus amigos, porque é assim mesmo, temos esse sentimento que a Amazônia somos nós.

HQPOP: Pra finalizar, queres deixar uma mensagem para os leitores do portal?

Romahs Mascarenhas: Leiam quadrinhos nortistas, não estar no mainstream não quer dizer que aquela arte é inferior, o quadrinho mais popular está naquele patamar de vender milhões porque tem arquétipos que comunicam pra um público mais amplo, mas os mais alternativos têm coisas geniais, alguns são verdadeiras obras-primas. Estamos numa grande fase do quadrinho nortista, nem sei indicar os 10 melhores pro leitor ir atrás, são muitos com muita qualidade hoje em dia.

Editor
Ilustrador, cartunista e quadrinista com mais de 30 anos de carreira. Premiado internacionalmente, destaca‐se pela crítica ácida e humor irreverente. Agora, como editor do HQPOP, ele traduz a cultura pop com ousadia e criatividade.

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