dezembro 2, 2025
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Angoulême: o destino sombrio do maior festival de quadrinhos do mundo

Palco histórico das maiores celebrações da nona arte enfrenta seu momento mais tenso em 50 anos de existência. Foto: Festival International de la Bande Dessinée d’Angoulême via Facebook

Boicotes massivos, denúncias graves e uma guerra de bastidores empurram a “Cannes dos Quadrinhos” para o abismo.

Imagine a “Meca dos Quadrinhos”. Um lugar onde, todo mês de janeiro, o mundo da Nona Arte converge para celebrar traços, roteiros e gênios da ilustração. Esse lugar é Angoulême, na França. Mas, nas últimas semanas, o clima de celebração deu lugar a um silêncio ensurdecedor e a uma tensão que faria qualquer thriller político parecer história de ninar. O que deveria ser a preparação para a 53ª edição do evento se transformou em um campo de batalha ético e financeiro sem precedentes.

Para entender a gravidade da situação, precisamos olhar para quem faz o show acontecer. Grandes editoras europeias gigantes como Dargaud, Dupuis e Glénat simplesmente abandonaram o barco,. E elas não foram as únicas. Nomes de peso, incluindo lendas vivas como Art Spiegelman e a vencedora do Grande Prêmio, Anouk Ricard, aderiram a um movimento de boicote feroz sob a hashtag #NOFIBD2026. A mensagem era clara: sem mudanças drásticas, ninguém pisaria no tapete vermelho dos quadrinhos.

O estopim desse incêndio não foi apenas financeiro, mas humano e moral. A comunidade artística se levantou contra a 9e Art+, empresa que organiza o festival, após a demissão polêmica de uma funcionária. Ela havia denunciado uma agressão sexual sofrida durante a edição de 2024 e, pouco depois, foi desligada da empresa. Esse episódio expôs feridas profundas sobre a gestão do evento, gerando acusações de cultura tóxica, falta de transparência e nepotismo que reverberaram por toda a indústria.

A pressão foi tamanha que o governo francês entrou na jogada. O Ministério da Cultura cortou 200 mil euros de financiamento, e o prefeito de Angoulême foi categórico: sem autores, não existe festival. Em uma tentativa desesperada de estancar a sangria e salvar a imagem do evento, a associação fundadora chegou a anunciar o afastamento de Franck Bondoux, o controverso diretor da organização. Parecia uma luz no fim do túnel, uma promessa de que a tempestade passaria e as tendas seriam montadas novamente.

Para os brasileiros, a apreensão era dupla. O festival sempre foi uma vitrine de ouro para o nosso talento nacional. Autores premiados como Marcello Quintanilha e novas promessas como Luckas Iohanathan aguardavam a chance de brilhar novamente no cenário internacional,. Até o último minuto, pairava no ar a esperança de uma “solução negociada” ou uma transição de poder que mantivesse o calendário de pé.

No entanto, a corda esticou até arrebentar. A guerra entre os financiadores públicos e a organizadora privada chegou a um ponto de não retorno nesta segunda-feira. A 9e Art+ declarou que o boicote e a retirada unilateral de subsídios tornaram a operação inviável. Confirmando os piores temores de fãs e profissionais ao redor do globo, a organização emitiu o comunicado final: a edição de 2026 do Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême está oficialmente cancelada.

Editor
Ilustrador, cartunista e quadrinista com mais de 30 anos de carreira. Premiado internacionalmente, destaca‐se pela crítica ácida e humor irreverente. Agora, como editor do HQPOP, ele traduz a cultura pop com ousadia e criatividade.

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