dezembro 2, 2025
Quadrinhos

Esqueça o meu nome: a maturidade caótica de Zerocalcare

CAPA DURA: Edição brasileira de “Esqueça o Meu Nome” mantém a identidade visual icônica do autor e chega com acabamento de luxo pela Faro Editorial. Foto/Emerson Coe

Entre monstros imaginários e segredos de família, o autor italiano entrega uma graphic novel tocante sobre a dor do luto e a busca por identidade.

Se você maratonou Entrelinhas Pontilhadas ou Este Mundo Não Vai me Derrubar na Netflix, já conhece a mente frenética de Michele Rech, mundialmente famoso como Zerocalcare. Mas é nas páginas dos quadrinhos que o autor italiano destila sua essência mais pura. Com o lançamento de “Esqueça o Meu Nome” (Dimentica il mio nome) no Brasil, trazido pelo selo Poseidon da Faro Editorial, temos em mãos aquela que é considerada uma das obras fundamentais de sua bibliografia. Finalista do prestigiado prêmio Strega e vencedora do Livro do Ano pelo programa Fahrenheit, esta HQ não é apenas mais uma aventura neurótica; é um mergulho visceral nas raízes de quem somos.

A trama parte de um evento universal e doloroso: a morte da avó materna do protagonista. Quando o último pilar de sua infância desmorona, Zerocalcare se vê obrigado a lidar com a burocracia do luto e, inadvertidamente, tropeça em mistérios familiares que jamais imaginou existirem. Dividido entre a segurança da inocência juvenil e as pressões sufocantes da vida adulta, ele precisa desvendar de onde veio para entender para onde está indo.

Foto/Emerson Coe

Zerocalcare domina a arte de transformar o cotidiano banal em épicos emocionais. Em “Esqueça o Meu Nome”, ele refina a fórmula vista em A Profecia do Tatu. O roteiro intercala conversas triviais e reflexões ansiosas com uma investigação genealógica quase policial. A grande sacada do autor é usar a fantasia não como escapismo, mas como uma lente de aumento para a realidade. Ele mescla fatos reais com ficção de forma tão fluida que o leitor para de questionar o que é verdade e aceita a verdade emocional da cena.

O traço de Zerocalcare mantém sua estética underground oriunda dos fanzines e cartazes de shows que ele produzia nos centros sociais de Roma. A arte é expressiva, por vezes suja, mas incrivelmente dinâmica. A ambientação transita entre o concreto da periferia romana e o surrealismo de sua mente, onde criaturas fantásticas e metáforas visuais ganham vida para representar medos e angústias. É um estilo que grita urgência.

Foto/Emerson Coe

Embora o protagonista seja a estrela, a força motriz aqui é a memória da família. A construção da avó e a descoberta de suas facetas ocultas dão o tom da obra. Os temas centrais — o medo de crescer, a desconexão geracional e o peso da herança familiar — são tratados com uma honestidade brutal. O autor expõe sua vulnerabilidade ao mostrar-se “preso às pressões da sociedade”, criando uma identificação imediata com qualquer jovem adulto contemporâneo.

É impossível ignorar o fenômeno que Zerocalcare se tornou. Com milhões de cópias vendidas na Itália, ele é a voz de uma geração desiludida. Esta obra, especificamente, marca um ponto de virada onde o humor cínico dá espaço para uma melancolia madura.

Comparado a seus outros trabalhos lançados no Brasil, como o jornalístico Kobane Calling (Nemo) e o introdutório A Profecia do Tatu (Poseidon), “Esqueça o Meu Nome” surge como o elo emocional mais forte. Enquanto Kobane olha para fora (o mundo), este olha para dentro (o indivíduo).

Pontos Fortes:

• Roteiro que equilibra humor ácido e drama genuíno com maestria.

• Arte cheia de personalidade que dita um ritmo de leitura viciante.

• Edição caprichada da Faro Editorial em capa dura, valorizando a coleção.

Pontos Fracos:

• O ritmo frenético e as referências culturais específicas podem exigir um pouco mais de atenção de novos leitores não habituados ao estilo do autor.

Conclusão

“Esqueça o Meu Nome” prova que é possível rir enquanto o coração se parte, entregando uma história que, embora focada em sua própria família, fala sobre todas as famílias.

Avaliação: 4 de 5.

Editor
Ilustrador, cartunista e quadrinista com mais de 30 anos de carreira. Premiado internacionalmente, destaca‐se pela crítica ácida e humor irreverente. Agora, como editor do HQPOP, ele traduz a cultura pop com ousadia e criatividade.

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